Com o falecimento da Nanita, fui a Santiago dia 28 de Abril, por 7 dias.
Não eram férias, mas era uma semana de dispensa que já tinha no trabalho, quando já tinha programado ir a Pelotas pelo aniversário do Papi, da Nininha, Simone e Fenadoce.
(Estas fotos foram no retorno, porque a ida foi a noite, mas começo aqui meu relato lembrando que quando a gente atravessa a Cordilheira dos Andes, tudo muda)
A Cordilheira já estava branquinha, mas ainda pouco para o que deveria.
Na ida, sobrevoamos a cordilheira a noite mas no retorno fotografei e passamos 15 minutos sobrevoando as montanhas, com bastante turbulência.
Cheguei dia 05 de junho, sábado, em Macaé. A viagem ao Chile foi necessária e importante. Uma missão!
Saí de Macaé, sexta, dia 28, às 11h. Peguei o avião no Galeão às 16h e com atrasos, cheguei a Santiago às 22h30.
Lá me esperavam a Mami, a Verônica (que cuidou na Nanita nas últimas horas) e as filhas Carolina (23 anos - estudante de direito) e Catalina (12anos).
Dali, numa noite fria e chuvosa, partimos para Libertad 450.
Depois de conversar um pouco, dormimos as 2h.
Aos poucos fui sabendo como seria a semana. O que precisava fazer, mas ainda sem saber exatamente, qual seria minha missão específica naquela jornada que só começava.
As coisas estavam iguais. A mesma esquina, a mesma casa...
Só estranhei um portão de ferro que fecha o beco onde mora a Nanita (mora, ela ainda mora lá). As coisinhas da Nanita, no sofá, deixada pela Mami - uma manta, um cachecol, as peinetas, a maquiagem, o creme Nivea. Do lado do sofá, um altarzinho - a foto dela com Toño, a vela do velório (igual a outra que foi a Doñihue com as cinzas), umas rosas brancas artificias grandes, os óculos.
O relógio, dado pelo Jaime, irmão do Christian, tocando meio desregulado, a mesa grande com mantel, a televisão em cima da comoda vermelha, o baú (que a nanita guardou suas coisinhas e o chamava de "bau de los recuerdos"), o pátio cheio de verde, e as fotos na escada - umas poucas delas deixadas pela Mami. A Poti é a mais presente nas fotos. Acho que eu também. Nessa hora lembrei delas conversando ao telefone no dia 25 de abril. Nunca saberei o que conversaram, mas foi lindo ouvi-las. A Poti muito a vontade convensando. A Nanita do outro lado, talvez se fazendo entender..
O beco continua igual. Com alguns novos moradores - a vizinha da esquerda. Vi o Christian que falou comigo em português de longe. Contou-me que viu a Nanita saindo ao hospital e que jamais queria lembrar dela daquele jeitinho e sim, como éramos, quando crianças - quando nos reuníamos na casa dele, na calçada. A rua com alguns prédios novos e aqueles velhíssimos, próprios do bairro e da região velha de Santiago - alguns deles ruidos pelo último terremoto.
Por ali perto, a Praça del Roto Chileno, o supermercado, a padaria, os mercadinhos, a lanhouse, a lavanderia, a "peluqueira" onde a Nanita cortava e pintava os cabelos.
De repente, a Mami me chama de Nanita. Nossa que susto! e eu disse - "Não te preocupa, ela tá aqui conosco, nos cuidando!". Não se explicam os motivos, mas me senti tão bem na casinha - mesmo com as coisinhas dela ali, separadinhas, como se ela já fosse chegar - a ausência dela era horrivel - mas acho que ela estava ali, nos acolhendo, como sempre fez.
"Mexia" nas coisinhas dela com toda a autorização, com todo cuidado, com todo meu respeito que sempre tive com ela, sentindo que eram parte dela. Ela ficava tão feliz quando eu ligava. E ela, deixou suas coisinhas e deixou suas histórias. As pailas que contramos denunciava nossa infância. O gatinho de pelinhos suaves era o xodó dela. Os cremes e os batons ela nunca esquecia. As faquinhas de cortar "pan" amassado e, abrindo o pão quentinho, era só passar manteiga.
Pedi "permiso" para ela antes de vasculhar seus livros, suas lembranças e suas fotos. Tenho certeza d que ela estava ali comigo, me conduzindo, até cumprimir minha missão.
A Verônica, que cuidou da Nanita nos últimos anos, vizinha, mulher disposta, empreendedora, batalhadora, com jeito próprio de chilena. Mãe da Carolina, na foto abaixo a esquerda, e da Catalina. Elas estiveram conosco, contando, ajudando, orientando...de manhã, de tarde e de noite. As meninas ainda sonhavam com a Nanita, que lhes ensinou sobre a vida.
Os dias foram passando e as descobertas foram sendo feitas.
Soubemos como foram as últimas horas. Muito triste para contar aqui, e tudo que aconteceu nos últimos anos que a Nanita nunca contou para ninguém.
Numa das manhã tivemos que ir no INP, instituto de previdência do Chile. Fomos ver a possibilidade de receber o seguro que a Nanita teria direito. Mas não conseguimos, porque ela não tinha irmãs viuvas ou solteiras e nem sobrinhas solteiras e chilenas.
Os dias estavam frios, ensolarado e nublado, com chuva e sem chuva.
Aproveitei para tirar umas fotos da praça.
A Mami havia dado todas as roupas da Nanita, depois de lavá-las na lavanderia. Isso era um dos desejos dela. Foram 3 sacos grandes. Tudo foi para o Hogar de Cristo que a Paula, filha da Chela foi buscar lá. (Foto abaixo a Chela e a Paula)
Aos poucos fui revisando os livros. Busquei algumas coisas pessoais dela.
A Mami havia achado uns escritos - folhas soltas em formato de diário, mas com datas saltadas, falando das idas e vindas ao médico.
Tudo empoeirado, algumas coisas rasgadas, amassadas, sujas.
No velador dela, tudo como estava. Na mesinha ao lado, o creme, algumas fotos. A minha foto grande que tirei no Rio de cima do Pão de Açúcar. Outra, do Baia e do Tiito pequenininhos. Na parede, uma foto da Tegualda, junto com outra grande dela dentro da primeira gaveta da comoda embutida.
Pensando em achar algo mais, comecei a organizar os livros dela.
Tudo sujo. Cada prateleira com uns 30 livros, quase todos presentes, em espanhol, em portugues, antigos e um nem aberto. Comecei pelo meio, onde havia uma caixa - nela cheia de cartas nossas - do Tonico pequeno, recém aprendendo a desenhar, a escrever, em portugues em espanhol - um pacote de cartas do Baia, outras poucas do Gordo, da Mana e minhas Achei o telegrama do papi avisando a Nanita que eu tinha nascido e um cartão com 3 anjinhos escrito pela Mami dizendo para ela - "estes 3 anjinhos são os irmãozinhos anunciando a chegada de Ana Teresa", com peso e hora.
Fiquei imaginando o que ela sentia e pensava. Como a gente esteve presente na vida dela e como ela era um símbolo pra nós. Nas cartas contávamos detalhes de nossa vida, de forma ingênua e até engraçada, usando palavras chilenas, mesmo tendo nossos poucos 9 ou 10 aninhos. Ameaçávamos a Nanita se não viesse ao Brasil logo nos visitar ou se não parasse de fumar. nas cartas declaramos nosso amor por ela. Achei uma caixinha de fotos - umas que nunca as havia visto porque tinham sido enviadas a ela e que não temos cópia. Achamos uma que a Mami estava com a perna e o braço engessados e que não descobrimos quando foi.
A cada prateleira, minhas mãos ficavam pretas de sujeira e pó. Mas de repente, achei uma carta dela para o Toño. Me sentei, com muita atenção, na cama dela, acendi a luz e comecei a ler, o que parecia um testamento. Era a carta que ela dizia a todo mundo que deixaria, mas que não sabíamos ainda onde estava. Uma carta muito dura, forte e cheia de coração.
Ela dizia o que deixava para cada um - a casa para Alicia Eugenia e Tantonio - que fosse vendida e entregue a eles o dinheiro. Mas por força da lei, a casa deve ser entregue aos irmãos vivos ou aos descendentes dos irmãos mesmo falecidos.- ou seja, um terço para a Mami, ao Toño e ao Gustavo e a Isabel. Uma máquina de costura a Alicia - "harto poco a quien le debo tanto"; o dinheiro - cerca de 1milhão de pesos (1900,00 dolares) para pagar o enterro, a cremação (desejo dela) o velório, "nada de missa, apenas uma celebração e direto a Doñihue", escreveu ela na carta, para pagar o anuncio no jornal e a passagem para a Mami de ida e volta ao Chile. Em dólares, uns 3mil, para a Mana e eu, se sobrasse, depois de pagar tudo.
"Viste Toño, tengo puras leceritas". Em todo momento ela dizia que não suportava a ideia de incomodar os outros, especialmente o Toño e escreveu "te pago en el más allá y nos veremos en Doñihue". Odiava depender dos outros, pedir ajuda e estar doente.
Imaginem o que significa ler essa cartas, entrega-la a Mami e depois ao Toño.
Essa era minha missão - achar a carta. Tudo ficou mais claro, apesar da dor e das lágrimas que todos derramamos ao lê-la. Que dor!
O Pelado e a Isabel estiveram lá em casa´para conversar sobre a casa e de fato eles vão querer a parte deles, que lhes é de direito e legalmente falando. Gustavo tem 3 filhos no Brasil - um musico em Goiânia, outro no Rio e uma casada em Urubici, numa fazenda, SC. Passei meus e-mails para termos mais noticias deles e irmos quem sabe escaneadndo as fotos de todos nós e mandando para eles.
No domingo, fomos almoçar todos juntos no Restaurante Juan y Medio, na Plaza Brasil (foto abaixo) - Toño, Alicia, Alicia Eugenia, Felipe, Maria José, Nana y e nós - era o dia do Patrimônio Cultural.
Os dias passaram rápido demais, mas foram intensos. Naquele dia, anterior a nosso retorno, ficamos com água fria, sem calefação. A Noite estava mais fria do que o normal. Pela manhã, as 3h45 a Veronica e Carolina acordaram conosco e nos despediram quando chegou a van.
Em Setembro, a Mami pensa em voltar ao Chile para definir coisas que ficaram pendentes.
2 comentários:
Com cereza, ela estava entre vocês... e muito feliz...!
Teve Missa de "uma semana" e de "um mês" em Brasília, na famosa igrejinha de Fátima.
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